Nas terras que um dia pertenceram a Irineu Evangelista de Souza existem pessoas. Sim, pessoas, seres humanos de todos os tipos e feitios, dos mais idosos aos mais novos. E uma grande parte dessas pessoas trabalha, direta ou indiretamente, para o setor turístico. A Serra da Mantiqueira como um todo apresenta o mesmo padrão econômico —tendo a Natureza como atrator principal do enorme fluxo de visitantes que ocorre nas montanhas da região, principalmente no inverno e nas férias de verão. Muito embora o turismo seja o principal meio de gerar o sustento da população e proporcionar o justo retorno dos investimentos dos empresários do setor, a maneira como o processo vem se desenvolvendo tem deixado a desejar em alguns aspectos.
Não se percebe muitos questionamentos a respeito das condições que os trabalhadores enfrentam em sua jornada diária. A precariedade do transporte público interno e externo —alto preço das passagens e poucos horários de ônibus disponíveis— faz com que boa parte da população de baixa renda tenha de ir a pé para o trabalho, caminhando por quilômetros a fio em estradas de terra (poeirentas ou enlameadas, dependendo da estação). Para os que trabalham no atendimento direto ao turista, as altas e baixas temporadas também podem ser uma fonte de problemas: nos períodos de alta visitação, a jornada de trabalho chega a durar o dia todo e mais o turno da noite, às vezes por uma semana inteira sem um único dia de descanso. Por outro lado, há o risco de demissão ou de ver o seu salário reduzido nos períodos de menor movimento de visitantes.
A formação profissional dos jovens também é uma questão séria, pois o isolamento geográfico da região não permite um deslocamento fácil (ou de baixo custo) até Resende —a 50km de distância, onde é possível cursar uma faculdade ou conquistar uma qualificação profissional. A falta de uma estrutura efetiva de Saúde pública e a insuficiente Educação oferecida nas escolas, dois quesitos básicos para se avaliar a qualidade de vida de uma comunidade, demonstram a fragilidade das instituições públicas. Sem contar que mesmo algumas das garantias trabalhistas básicas, como carteira de trabalho assinada, décimo terceiro salário e férias, implantadas nos tempos do velho Getúlio Vargas, ainda estão longe de ser uma prática difundida na região.
O acesso à cultura e aos esportes igualmente deixa a desejar, pois o poder público e uma parcela dos empresários não imaginam que as pessoas tenham outras necessidades além de trabalhar. Com exceção da Festa do Pinhão, que a cada edição se mostra ‘mais do mesmo’, não se vê investimentos públicos direcionados ao fomento do acesso à cultura ou que incentivem a prática de esportes entre os jovens. O que mais se percebe neste aspecto são ações de pessoas físicas, como o Centro Cultural de Visconde de Mauá bravamente tocado pela Márcia Patrocínio, o magistral trabalho do sr. Jorge Brito no resgate da cultura tradicional da Mantiqueira e os torneios de futebol realizados pelo Wilton da Maromba, entre outros.
A distância e o alto custo, a bem da verdade, não são as únicas dificuldades para uma formação profissional ampliada. A vocação turística da ainda bucólica localidade faz com que os eventuais cursos profissionalizantes que chegam à região sejam, no mais das vezes, vinculados à formação de mão de obra para o setor turístico. O que é ótimo, mas não pode e não deve ser uma exclusividade, pois limita o universo do jovem, já que nem todos têm a vocação de trabalhar com o turismo.
Assim como Brota de Macaúbas, no interior da Bahia, deu ao mundo o geógrafo Milton Santos, e a floresta amazônica viu nascer a ex-senadora Marina Silva, que aprendeu a ler aos dezesseis anos e depois se formou em História pela Universidade do Acre, Visconde de Mauá também tem o potencial humano de gerar geógrafos e historiadores entre seus jovens. Ou músicos, matemáticos, engenheiros, escritores, analistas de sistema, fotógrafos, bailarinos, químicos, biólogos, advogados, médicos, poetas...
O que se vê é uma verdadeira monocultura
do turismo —impactante e a qualquer preço, como se uma região estivesse fadada a gerar apenas
mão-de-obra para a sua vocação econômica, um processo que já não está dando
certo há algum tempo e tende a piorar com o asfaltamento da estrada. A vocação
de um lugar não pode ser a sua própria maldição.
M. Collier
Projeto AltaVila
Comunicação em Comunidade
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