sábado, 2 de junho de 2012

Dimensão Humana


Dimensão Humana

O planeta Terra não vive uma crise ambiental como muitos pensam. O evidente desequilíbrio da Natureza é tão somente um sintoma, e não a doença em si. A doença mesmo tem origem no ser humano e no seu modo ‘atual’ [há quase seis mil anos] de ver a si mesmo e a realidade que se desdobra ao seu redor. Como espécie, vivemos em uma sociedade em meio a uma grave crise de identidade. Em algum momento entre a pré-história e a história perdemos a dimensão humana e adentramos um modo de vida mais elaborado, hierárquico, estratificado, amparados na agricultura, na pecuária, no comércio e munidos, além das armas, de uma poderosa tecnologia: a escrita e a leitura —o registro impresso de informações e sua posterior decodificação.

Obs. O mais incrível é que os primeiros livros criados por seres humanos ‘funcionam’ até hoje. Foram impressos pelos sumérios e permitem aos cientistas e pesquisadores de hoje ler o que a primeira civilização conhecida escreveu ao contrário dos disquetes, que não podem mais ser lidos pelos computadores atuais e, portanto, não serão lidos pelos computadores do futuro. Triste fim o do disquete. O Compact Disc [CD] significou um enorme passo a frente, com o registro óptico das informações e com muito mais capacidade de armazenamento, segurança e rapidez no acesso a elas, muito embora o CD também já esteja completamente defasado como mídia.

E nem adianta citar o pendrive como a mídia mais adequada: também o pequeno e poderoso drive já se vê sob ameaça de ser superado como mídia, uma vez que o próprio conceito de mídia está em questão hoje, pois o sistema de ‘nuvem’ [na internet] permite um gigantesco arquivamento de informações de todos os tipos e um acesso muito rápido, ‘seguro’ e qualificado a elas. Entretanto, se uma ou outra explosão solar danificar a conexão com a internet, não há o que temer, já que podemos voltar ao sistema mais seguro de arquivar informações já inventado, que funciona há 6.000 anos: a saber, além de criar o primeiro ‘alfabeto’ (cuneiforme, em forma de cunha), os sumérios começaram a imprimir todos os tipos de texto em placas de argila mole utilizando varinhas de madeira como lápis. Placas de argila que, depois de ir ao forno ou secar ao Sol, endureciam, perpetuando o texto impresso. Com esse sistema, eles escreveram milhares e milhares de livros que podem ser lidos até hoje. Em sua maioria, foram encontrados nos desertos da mesopotâmia, onde hoje (em sua maior parte) é o Iraque. Resta saber se os dez anos de guerra no Iraque deixaram algo mais do que pedra sobre pedra...

M.Collier

Projeto AltaVila
Comunicação em Comunidade

Vocação ou Maldição

Muitas vezes o olhar sobre Visconde de Mauá tem recaído em seus aspectos turísticos ou ambientais, o que é muito natural, graças às belezas naturais que por aqui operam. Porém, esta é uma região que tem muito mais a ‘oferecer’ do que uma riquíssima Mata Atlântica de altitude...

Nas terras que um dia pertenceram a Irineu Evangelista de Souza existem pessoas. Sim, pessoas, seres humanos de todos os tipos e feitios, dos mais idosos aos mais novos. E uma grande parte dessas pessoas trabalha, direta ou indiretamente, para o setor turístico. A Serra da Mantiqueira como um todo apresenta o mesmo padrão econômico —tendo a Natureza como atrator principal do enorme fluxo de visitantes que ocorre nas montanhas da região, principalmente no inverno e nas férias de verão. Muito embora o turismo seja o principal meio de gerar o sustento da população e proporcionar o justo retorno dos investimentos dos empresários do setor, a maneira como o processo vem se desenvolvendo tem deixado a desejar em alguns aspectos.

Não se percebe muitos questionamentos a respeito das condições que os trabalhadores enfrentam em sua jornada diária. A precariedade do transporte público interno e externo —alto preço das passagens e poucos horários de ônibus disponíveis— faz com que boa parte da população de baixa renda tenha de ir a pé para o trabalho, caminhando por quilômetros a fio em estradas de terra (poeirentas ou enlameadas, dependendo da estação). Para os que trabalham no atendimento direto ao turista, as altas e baixas temporadas também podem ser uma fonte de problemas: nos períodos de alta visitação, a jornada de trabalho chega a durar o dia todo e mais o turno da noite, às vezes por uma semana inteira sem um único dia de descanso. Por outro lado, há o risco de demissão ou de ver o seu salário reduzido nos períodos de menor movimento de visitantes.

A formação profissional dos jovens também é uma questão séria, pois o isolamento geográfico da região não permite um deslocamento fácil (ou de baixo custo) até Resende —a 50km de distância, onde é possível cursar uma faculdade ou conquistar uma qualificação profissional. A falta de uma estrutura efetiva de Saúde pública e a insuficiente Educação oferecida nas escolas, dois quesitos básicos para se avaliar a qualidade de vida de uma comunidade, demonstram a fragilidade das instituições públicas. Sem contar que mesmo algumas das garantias trabalhistas básicas, como carteira de trabalho assinada, décimo terceiro salário e férias, implantadas nos tempos do velho Getúlio Vargas, ainda estão longe de ser uma prática difundida na região.

O acesso à cultura e aos esportes igualmente deixa a desejar, pois o poder público e uma parcela dos empresários não imaginam que as pessoas tenham outras necessidades além de trabalhar. Com exceção da Festa do Pinhão, que a cada edição se mostra ‘mais do mesmo’, não se vê investimentos públicos direcionados ao fomento do acesso à cultura ou que incentivem a prática de esportes entre os jovens. O que mais se percebe neste aspecto são ações de pessoas físicas, como o Centro Cultural de Visconde de Mauá bravamente tocado pela Márcia Patrocínio, o magistral trabalho do sr. Jorge Brito no resgate da cultura tradicional da Mantiqueira e os torneios de futebol realizados pelo Wilton da Maromba, entre outros.

A distância e o alto custo, a bem da verdade, não são as únicas dificuldades para uma formação profissional ampliada. A vocação turística da ainda bucólica localidade faz com que os eventuais cursos profissionalizantes que chegam à região sejam, no mais das vezes, vinculados à formação de mão de obra para o setor turístico. O que é ótimo, mas não pode e não deve ser uma exclusividade, pois limita o universo do jovem, já que nem todos têm a vocação de trabalhar com o turismo.

Assim como Brota de Macaúbas, no interior da Bahia, deu ao mundo o geógrafo Milton Santos, e a floresta amazônica viu nascer a ex-senadora Marina Silva, que aprendeu a ler aos dezesseis anos e depois se formou em História pela Universidade do Acre, Visconde de Mauá também tem o potencial humano de gerar geógrafos e historiadores entre seus jovens. Ou músicos, matemáticos, engenheiros, escritores, analistas de sistema, fotógrafos, bailarinos, químicos, biólogos, advogados, médicos, poetas...


O que se vê é uma verdadeira monocultura do turismo —impactante e a qualquer preço, como se uma região estivesse fadada a gerar apenas mão-de-obra para a sua vocação econômica, um processo que já não está dando certo há algum tempo e tende a piorar com o asfaltamento da estrada. A vocação de um lugar não pode ser a sua própria maldição.

M. Collier
Projeto AltaVila
Comunicação em Comunidade