terça-feira, 18 de setembro de 2012

MACACOS ELÉTRICOS

O avanço da engenharia genética tem causado surpresas. Por exemplo, que a raça humana e os primatas superiores têm em comum 99% dos genes. Em outras palavras, 1% é o que geneticamente separa o homem de chimpanzés e gorilas. Como podemos ser tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes dos nossos parentes mais próximos?

Um breve olhar sobre as conquistas humanas mostra que, de fato, em comparação com nossos primos, houve um grande salto evolutivo. No entanto, como a diferença genética é mínima, fica a impressão de que a espécie humana é resultado de um choque elétrico. Parece que colocamos o dedo em uma tomada e ficamos 1% mais espertos que os macacos.


Esse 1% faz enorme diferença. E não é preciso ir muito longe para compreender o alcance dessa diferença. Basta uma breve análise da invenção da máquina a vapor para percebê-la. O modelo desenvolvido pelo escocês James Watt, no final do século 18, foi o primeiro a funcionar realmente. Seu princípio é bem simples e, grosso modo, funciona assim:


Na máquina a vapor, o fluido de trabalho é o vapor de água sob alta pressão, gerada pelo aumento da temperatura. Tem como base o principio de expansão do vapor... Energia térmica transformada em energia mecânica... gerando a força que move um êmbolo.



Com o tempo e os aprimoramentos que se seguiram, percebeu-se que, dependendo da pressão, era possível mover quase tudo: bombas hidráulicas, teares mecânicos, trens, navios. Enfim, estava criada a ferramenta básica que deu origem à Revolução Industrial.


Antes da máquina de James Watt, os ventos empurravam os navios e a água movia os moinhos, mas fazer força mesmo era tarefa de humanos e animais. Com a invenção da máquina a vapor tudo mudou, pois uma única máquina pode fazer o trabalho de centenas de seres humanos, indefinidamente enquanto houver combustível para transformar água em vapor. Na época, os combustíveis utilizados eram o carvão e a madeira.


Uma das primeiras utilizações práticas e de grande impacto social da revolucionária invenção tomou a forma de teares mecânicos, que fiavam, teciam e faziam o acabamento do algodão de um modo muito mais rápido e melhor que os tecelões humanos —que, até então, utilizavam o tear manual. O processo mecanizado de confecção de tecidos avançou rapidamente pelo Reino Unido. Em 1825, apenas em Manchester, havia 104 fábricas de fiação de algodão, com 110 máquinas a vapor. Produzir bens de consumo em larga escala tornava os produtos mais baratos: eis a boa notícia que varria a Europa em meados do século XIX.


A má notícia, porém, era que a maneira mecanizada de produção exigia um tipo específico de trabalhador, que deveria ser treinado para fazer parte de um processo brutal, pois as fábricas eram insalubres e inseguras, o trabalho era repetitivo, degradante e mal remunerado e os trabalhadores não tinham quaisquer direitos, como férias ou salário mínimo. Chaplin imortalizou a difícil relação entre o homem e a máquina em seu magistral Tempos Modernos.


Os problemas físicos, psicológicos e sociais enfrentados pelos trabalhadores das fábricas, sem esquecer os danos ambientais, logo se tornaram evidentes. Infelizmente, já afirmavam os arautos do desenvolvimento industrial, era o preço do progresso.


Com o avanço da industrialização, os ecossistemas da Europa e de suas colônias d’além mar foram submetidos a uma enorme pressão, pois a procura por recursos naturais se intensificou sobremaneira.

No entanto, mais que proporcionar trabalho similar ao escravo e alterar para sempre a face da Terra, havia um outro problema com o processo industrial, algo que no início passou despercebido: como era preciso a queima de um combustível para fazer a máquina funcionar, havia um pequeno efeito colateral: o dióxido de carbono, entre outros gases altamente tóxicos.


Mais conhecido como CO2, o dióxido de carbono é um veneno e, em ambiente fechado, mata um homem adulto em questão de minutos. Todavia, este era um mero detalhe, pois a máquina a vapor se mostrava uma ferramenta com muitas utilidades. O processo industrial espalhou-se como um vírus pelo mundo, levando junto a destruição da natureza, o desperdício dos recursos naturais, a exploração de seres humanos, a descaracterização cultural, a poluição da terra, do ar, dos rios e dos mares...


Os países agrícolas do final do século XIX, como o Brasil, viram-se presas fáceis diante do enorme poder bélico que os países industrializados alcançaram, pois obviamente não passou despercebido o potencial militar que a era industrial oferecia. A partir do século XX, a eletricidade e o petróleo acabaram por substituir, em parte, as máquinas movidas a madeira e carvão. Mas o processo de produção, em larga escala, mecanizado, ainda é basicamente o mesmo. Hoje, não importando se são capitalistas, socialistas ou comunistas, todos os países têm indústrias. Da sardinha ao show business, tudo vem enlatado diretamente de uma fábrica.


E, assim, chegamos completamente evoluídos ao século XXI, com os combustíveis fósseis ainda sendo usados indiscriminadamente. Até eletricidade é gerada pela queima de carvão: e ninguém venha dizer que as hidrelétricas geram energia limpa. O mais grave, porém, é que o modo industrial de produção mostrou-se muito eficaz em generalizar a pobreza e concentrar a riqueza.

Apesar de tudo, sou otimista. Tenho certeza de que um dia os humanos serão tão evoluídos quanto os chimpanzés e os gorilas. Mas ainda falta 1%.


Maurício Collier