MACACOS ELÉTRICOS
O avanço da engenharia genética tem
causado surpresas. Por exemplo, que a raça humana e os primatas
superiores têm em comum 99% dos genes. Em outras palavras, 1% é o que
geneticamente separa o homem de chimpanzés e gorilas. Como podemos ser tão iguais
e ao mesmo tempo tão diferentes dos nossos parentes mais próximos?
Um breve olhar sobre as conquistas
humanas mostra que, de fato, em comparação com nossos primos, houve um grande
salto evolutivo. No entanto, como a diferença genética é mínima, fica a
impressão de que a espécie humana é resultado de um choque elétrico. Parece que
colocamos o dedo em uma tomada e ficamos 1% mais espertos que os macacos.
Esse 1% faz enorme diferença.
E não é preciso ir muito longe para compreender o alcance dessa diferença. Basta uma breve análise da invenção da máquina a vapor para percebê-la. O
modelo desenvolvido pelo escocês James Watt, no final do século 18, foi o
primeiro a funcionar realmente. Seu princípio é bem simples e, grosso modo, funciona
assim:
Na máquina a vapor,
o fluido de trabalho é o vapor de água sob alta pressão, gerada pelo aumento da temperatura.
Tem como base o principio de expansão do vapor... Energia térmica transformada
em energia mecânica... gerando a força que move um êmbolo.
Com o tempo e os aprimoramentos que
se seguiram, percebeu-se que, dependendo da pressão, era possível mover quase
tudo: bombas hidráulicas, teares mecânicos, trens, navios. Enfim, estava criada
a ferramenta básica que deu origem à Revolução Industrial.
Antes da máquina de James Watt, os
ventos empurravam os navios e a água movia os moinhos, mas fazer força mesmo
era tarefa de humanos e animais. Com a invenção da máquina a vapor tudo mudou,
pois uma única máquina pode fazer o trabalho de centenas de seres humanos,
indefinidamente —enquanto houver combustível para transformar água em vapor. Na época, os
combustíveis utilizados eram o carvão e a madeira.
Uma das primeiras utilizações
práticas e de grande impacto social da revolucionária invenção tomou a forma de
teares mecânicos, que fiavam, teciam e faziam o acabamento do
algodão de um modo muito mais rápido e melhor que os tecelões humanos —que, até então, utilizavam o tear
manual. O processo mecanizado de confecção de tecidos avançou rapidamente pelo
Reino Unido. Em 1825, apenas em Manchester, havia 104 fábricas de fiação de
algodão, com 110 máquinas a vapor. Produzir bens de consumo em larga escala tornava
os produtos mais baratos: eis a boa notícia que varria a Europa em meados do
século XIX.
A má notícia, porém, era que a
maneira mecanizada de produção exigia um tipo específico de trabalhador, que deveria
ser treinado para fazer parte de um processo brutal, pois as fábricas eram
insalubres e inseguras, o trabalho era repetitivo, degradante e mal remunerado
e os trabalhadores não tinham quaisquer direitos, como férias ou salário mínimo.
Chaplin imortalizou a difícil relação entre o homem e a máquina em seu magistral
Tempos Modernos.
Os problemas físicos, psicológicos e
sociais enfrentados pelos trabalhadores das fábricas, sem esquecer os danos
ambientais, logo se tornaram evidentes. Infelizmente, já afirmavam os arautos
do desenvolvimento industrial, era o preço do progresso.
Com o avanço da industrialização, os
ecossistemas da Europa e de suas colônias d’além mar foram submetidos a uma
enorme pressão, pois a procura por recursos naturais se intensificou
sobremaneira.
No entanto, mais que proporcionar
trabalho similar ao escravo e alterar para sempre a face da Terra, havia um
outro problema com o processo industrial, algo que no início passou
despercebido: como era preciso a queima de um combustível para fazer a máquina
funcionar, havia um pequeno efeito colateral: o dióxido de carbono, entre outros
gases altamente tóxicos.
Mais conhecido como CO2, o dióxido de carbono é um veneno e, em ambiente fechado, mata um homem
adulto em questão de minutos. Todavia, este era um mero detalhe, pois a máquina
a vapor se mostrava uma ferramenta com muitas utilidades. O processo industrial
espalhou-se como um vírus pelo mundo, levando junto a destruição da natureza, o
desperdício dos recursos naturais, a exploração de seres humanos, a descaracterização
cultural, a poluição da terra, do ar, dos rios e dos mares...
Os países agrícolas do final do
século XIX, como o Brasil, viram-se presas fáceis diante do enorme poder bélico
que os países industrializados alcançaram, pois obviamente não passou
despercebido o potencial militar que a era industrial oferecia. A partir do
século XX, a eletricidade e o petróleo acabaram por substituir, em parte, as máquinas movidas a madeira e carvão. Mas o processo de produção, em larga
escala, mecanizado, ainda é basicamente o mesmo. Hoje, não importando se são
capitalistas, socialistas ou comunistas, todos os países têm indústrias. Da
sardinha ao show business, tudo vem enlatado diretamente de uma fábrica.
E, assim, chegamos completamente
evoluídos ao século XXI, com os combustíveis fósseis ainda sendo usados indiscriminadamente. Até eletricidade é gerada pela queima de carvão: e ninguém venha dizer que as hidrelétricas geram energia limpa. O mais grave, porém, é que o modo industrial de produção mostrou-se
muito eficaz em generalizar a pobreza e concentrar a riqueza.
Apesar de tudo, sou otimista. Tenho
certeza de que um dia os humanos serão tão evoluídos quanto os chimpanzés e os gorilas.
Mas ainda falta 1%.
Maurício Collier